De menina rica mimada a sirena aprisionada—às vezes a vida não presta.
A minha vida era perfeita—um namorado carinhoso e giro, uma família rica com boas ligações, e um futuro imaculadamente planeado.
Pois acontece que a perfeição é uma mentira. Depois de um ataque imprevisível, acordo para descobrir que me tornei uma sirena, tive as cordas vocais cortadas, e agora estou aprisionada na Academia Larkwood, o lugar mais perigoso e de segurança máxima para humanos que se transformaram em criaturas paranormais chamadas sombras. Anda tudo atrás de mim aqui—a diretora, os guardas, e até as outras sombras.
Enquanto tento sobreviver, vou-me aproximando dos homens à minha volta—Kit, um wendigo que é frequentemente chamado de cãozinho da diretora, Deacon, um guarda que não é sombra mas também não é humano, Knox, um íncubo que tem dificuldades em aceitar a sua fome, Brax, um berserker de má atitude e língua afiada, e Wade, um obscuro bem mais perigoso do que a sua cara e humor fazem parecer. Quanto mais tempo passo aqui a conhecer-lhes, mais me apercebo que não posso mesmo confiar em ninguém.
Todos querem que eu siga as regras, mas eu não posso mais ser esse tipo de rapariga.
Podem ter roubado a minha voz, mas não me vão manter silenciada.
General Release Date: 6th December 2023
Olhos em frente—ignora o lobisomem.
Repeti para mim mesma ao acelerar o passo. Não era difícil identificar a sombra agachada ao caixote do lixo, a vasculhar pelo que fosse que pudesse encontrar lá dentro. Mesmo se ele não tivesse no pulso a pulseira amarela, obrigatória por lei, para identificá-lo, havia qualquer coisa nas sombras que as tornava fáceis de detetar.
Havia um perigo nelas, uma profunda hesitação que causavam em humanos normais assim que uma sombra cruzasse no nosso caminho. Uma qualidade selvagem nos movimentos deles e um vazio nos olhos, como se tudo que tivesse sido verdadeiro sobre eles tivesse sido drenado assim que fossem infetados pela fonte.
O que significava que, apesar de parecer novo para variar—ele não poderia ter mais que onze anos—esta sombra podia desfazer-me caso se descontrolasse.
Embora, o facto de ele estar na rua, identificado, significava que ele era uma espécie mais fraca e a tomar a medicação certa para tratar da sua aflição. Caso contrário, ele estaria devidamente fechado numa academia.
— Não fiques a olhar, Hera, — disse a minha amiga Moa.
— Como é que ele pode estar na rua? Perguntei em voz baixa enquanto passávamos pela sombra. — Pensava que tínhamos grupos que os mantinham longe.
A Moa lançou-me um olhar afiado que me fez lembrar o quão diferentes as nossas vidas eram.
Ela não estava a par da realidade e do perigo que as sombras representavam. Ela pôde viver em ignorância, a fazer de conta que o mundo era um lugar seguro, enquanto eu via as pessoas serem massacradas por sombras descontroladas. Mas também, a família dela tomava conta de uma lojinha de segunda mão, já a minha mãe era senadora e dirigia o comité do controlo de sombras, e o meu pai geria uma das maiores empresas farmacêuticas do mundo.
Eu era Hera Weston, filha única de Zachary e Regina Weston, o que significava que não me era possível a luxúria de não saber.
Ainda assim, alinhei, e fingi não fazer ideia do que se tratava a censura dela, pois não valia a pena termos outra vez a mesma discussão. Um gole indiferente na minha garrafa de água pareceu ajudar convencer. — O quê?
— Ele só está a tentar encontrar comida. Tens alguma ideia de quantas sombras são expulsas das suas casas quando mudam? Quantas não conseguem arranjar emprego?
— Elas não mudam. São infetadas e morrem, — argumentei, mas continuei a andar para que ela não me desse outra longa explicação politicamente correta sobre como elas não ‘morrem’ mesmo.
Moa era uma daquelas que achava que as sombras eram só alteradas, e que continuavam a ser as pessoas que eram enquanto humanas. O que, obviamente, não era verdade, e se ela prestasse alguma atenção na escola ou às notícias sabê-lo-ia.
A fonte—uma substância que se infiltrava através de ruturas invisíveis entre o nosso mundo e a escuridão—podia afetar alguns humanos. Quando isso acontecia, a infeção causava mutações tão drásticas que só um tolo poderia considerar a resultante sombra como a mesma pessoa humana que tinham sido. As infeções aparentavam ser aleatórias, uma vez que não era possível localizar ou parar as ruturas.
Simplesmente era assim a vida.
— Além disso, — acrescentei, como tentativa de oferecer as minhas próximas palavras como um gesto de paz enquanto passávamos por lojas que cercavam o centro comercial ao ar livre — por isso é que temos academias, para cuidarem deles de forma segura e encontrarem a melhor forma de tratar-lhes.
— Essas academias são prisões, — Moa passou-se, a puxar o meu braço para pararmos, a traçar o mesmo duelo com que nos debatemos há anos. Ela enfrentava-me como se estivéssemos numa batalha, e não na fachada de uma butique de alta-costura. — Crianças que são tiradas aos pais e atiradas para institutos. Que são muitas vezes usadas para experiências, drogadas, e sabe-se lá mais o quê.
— Tu tens de parar de ler revistas. Já alguma vez estiveste em uma sequer?
— Não, — admitiu baixinho. — Tu estiveste?
— Sim. Há dois anos fui com a minha mãe visitar a Academia Jasmine. Eu juro-te, nada daquilo que tu estás a falar passava-se lá. As sombras eram felizes, saudáveis, e incapazes de se magoarem a si e a outros. Não é esse o objetivo?
Moa abanou a cabeça. — Tu és ingénua, Hera. Achas mesmo que esses sítios querem que as pessoas saibam o que realmente se passa? Achas que iam mostrar todas as maldades que fazem quando os VIPs aparecem? É tudo um golpe publicitário para que as pessoas digam ao governo para continuar a enviar todo o dinheiro que eles querem. Só querem criar medo o suficiente para que não prestemos atenção às atrocidades que lá fazem.
Eu dei um suspiro e deixei a conversa ficar por ali. Podia ficar a discutir com ela o dia todo—já o fizera antes— mas a Moa não sabia nada do mundo real. Eu não ficava chateada com ela por causa disso—por vezes invejava-a
Seria tão bom adormecer todas as noites sem qualquer ideia do que se escondia na escuridão. Ainda me lembro da primeira vez que vi um lobisomem totalmente transformado, o horror de quando puxou as correntes que o prendiam enquanto rugia. A minha mãe tinha-me levado com ela, preocupada sobre eu ficar encantada pelas sombras, como acontecia com tantas adolescentes.